50 tons de sucesso
Autora fala da inspiração para criar um best-seller para lá de polêmico E L James,
Pedro Caiado, especial para O Estado - O Estado de S.Paulo
LONDRES - É o livro sensação do momento. No Brasil, sua
venda chegou a 260 mil cópias em 40 dias. Não se fala em outro assunto
nos EUA e na Europa. Os direitos para o filme já foram comprados por
Hollywood por (estima-se) US$ 5 milhões. Por que tanto frenesi em torno
de
Cinquenta Tons de Cinza? A resposta é simples: sexo. A
trilogia é a mais picante na lista de livros mais vendidos em anos. A
história da submissa jovem estudante Anastasia Estelle, que se envolve
com o bilionário bonitão e dominador Christian Grey é recheada de sexo
explícito e sadomasoquismo.
O sucesso, inicialmente na internet, chamou a atenção dos editores
que haviam dito não à publicação da trama em papel e e-books. E assim se
iniciava o fenômeno. Os livros têm encantado mulheres ao redor do globo
e apimentado a relação de casais. Tudo fruto da imaginação de uma dona
de casa do subúrbio de Londres, a britânica de 48 anos Erika Mitchell,
ou E L James, que da noite para o dia se tornou o nome mais quente da
literatura mundial. A então executiva de um estúdio de TV britânico,
infeliz com seu trabalho, resolveu dedicar tempo integral à escrita do
romance que se tornou um recorde de vendas em poucos meses.
O segundo livro da trilogia,
Cinquenta Tons de Cinza Mais Escuro,
acaba de ser lançado no Brasil e o terceiro já alcança recorde de
reservas. Quem é a mulher por trás dos obscenos livros? O Estado
conheceu a inglesa que em nada lembra a fogosa personagem Anastasia. Com
jeans, camisa preta e joias, Erika nos recebe com uma Coca-Cola Diet na
mão, enquanto reforça seu desprazer em dar entrevistas: "Os jornalistas
escrevem o que querem". E garante que o dinheiro não mudou sua vida.
"Vou poder reformar minha cozinha."
Como tudo começou?
Sempre quis escrever. Em novembro de 2008, fui ver o filme
Crepúsculo. Gostei muito e depois li os livros e adorei. Em 15 de
janeiro, sentei e comecei a escrever uma história, que não foi
publicada. E depois, em abril, escrevi outra. Ambas não foram publicadas
e não envolviam sexo. Então, descobri esse site Fanfiction, por
intermédio do fórum de Crepúsculo. Vi várias histórias e achei que
também podia fazer aquilo. Então, escrevi uma ficção em três semanas.
Nesse período, lembro de ter lido umas cinco histórias sobre
sadomasoquismo. Não sabia o que significava aquilo, mas achei tudo
quente e fascinante.
Estas são as suas inspirações?
Sim. Quando li sobre sadomasoquismo, pensei
como seria me encontrar com uma pessoa que estivesse nesse mundo. Foi
assim que começou. Era originalmente uma história saída do site de
Crepúsculo - Fanfiction. Nunca pensei que iria publica-lo, ou pensei
que, se publicasse, seria cheio de restrições.
A história Submissive no site fanfiction é muito similar à sua trilogia. É uma inspiração direta?
Chama-se O Dominador e a Submissa, além de
quatro outros que li. Mas não quero dar o nome das histórias porque
algumas eram muito mal escritas.
Você acha que livros eróticos não podem ser bem escritos?
Eu acho que você pode escrever de qualquer
maneira. Algumas pessoas não gostam do meu estilo de escrever, mas é
assim que eu sou, casual. Se as pessoas não gostam, é problema delas.
Mas muitas gostam.
Stephanie Meyer é sua clara inspiração. Você já conversou com ela?
Não. Mas ela foi muito gentil em uma entrevista recente sobre seu
novo livro, A Hospedeira. Ela disse que meus livros não são o seu gênero
preferido, mas me desejou toda a sorte do mundo, o que eu achei muito
legal. Adoraria encontrá-la para agradecer pela inspiração. E ela
inspirou centenas de milhares de mulheres a começar a escrever.
Crepúsculo é uma história muito erótica, apesar de não ter sexo
envolvido.
O sucesso surpreendeu você?
Não esperava isso. Quem poderia imaginar
que uma história tão obscena fosse se tornar popular assim. É
extraordinário. Os números das vendas são insanos. Como eu nunca tive
essa experiência antes, não sabia se eram bons ou não. Eu lembro de a
editora me ligando para dizer que uma loja tinha acabado de vender 22
mil cópias, e eu perguntava: 'Isso é bom?'.
Como todo esse sucesso, você se compararia com J. K. Rowling,
por exemplo? Daria conselhos a ela, que agora lança seu primeiro
romance adulto?
Não me comparo com ninguém. E, claro, ela não precisa de conselhos.
Adorei os livros e os filmes do Harry Potter. Li e vi todos. Lembro de
sempre estar ansiosa pelo próximo livro. Era tão épica aquela saga. Mas
escrevi Cinquenta Tons de Cinza para mim. Foi divertido escrever.
Aquelas são as minhas fantasias. Claro, tendo por base as fantasias de
outras mulheres, o que faz com que eu me sinta menos pervertida (risos
envergonhados).
Como foi o processo de criação?
Não tinha ideia de onde a história ia.
Gastei cada hora disponível escrevendo. Eu trabalhava meio expediente na
época. Comecei a escrever e virou uma obsessão. Escrevia no BlackBerry
no metrô e pensava na trama enquanto dirigia. Parei de sair, de ver TV.
Você procurava por sadomasoquismo no Google?
Fiz muita pesquisa, mas foi bem mais
específico que isso. Há uma quantidade enorme de informação na internet
sobre esse assunto. Mas, no meu livro, Anastasia não é submissa, então
este não é um livro de sadomasoquismo.
Mas a história é repleta de detalhes... Li que você ligou
para uma loja de automóveis para saber se um casal teria espaço para
fazer sexo no banco de trás de um Audi.
Essa história é hilária, mas não posso
contar agora, pois está no terceiro livro que ainda vai ser lançado no
Brasil. Tenho uma imaginação muito viva, podemos dizer assim. Visitei
sex shops também.
Livros eróticos sempre existiram. Você é responsável por tornar o gênero pop. O que faz o seu livro ser diferente?
É uma história romântica, de paixão. E
quando as pessoas se apaixonam, elas fazem muito sexo, é isso o que
acontece. Christian faz sexo de uma maneira particular. Ele não faz
amor, pois tudo para ele é relacionado com poder e controle. Outros
livros do gênero têm uma linguagem muito pesada. Não uso essa linguagem e
a descrição do sexo é sutil. Geralmente, as mulheres não gostam de
palavras pesadas.
Que livros você indicaria para quem se inicia no gênero?
Há vários: Beautiful Disaster, de Jamie
McGuire, por exemplo. Acabei de ler Shadows of Night, de Deborah
Harkness, é o segundo livro de uma trilogia chamada All Souls. Quando eu
tinha 30 e poucos anos, li vários livros de mulheres como Brenda Joyce,
Noel Roberts, Judith McNaught, são mais românticos, sem sexo explícito.
Devo ter lido umas 600 histórias naquela época. As mais pornográficas
talvez tenham sido as de uma série chamada Black Lace.
O que acha da opinião negativa? Homens queimaram seus livros nos EUA e há quem diga que seus livros são mal escritos.
O que acho mais fascinante é que as pessoas
começam a ler e não conseguem parar. E foi exatamente assim comigo
quando li Crepúsculo. Essa onda de opiniões negativas é só barulho no
fundo. Felizmente, a maioria tem gostado, então, nesse aspecto, eu
realmente fiz sucesso. As mulheres amam meus livros. Recebi o e-mail de
uma mulher dizendo que não lia nada há 28 anos, e terminou Cinquenta
Tons em três semanas. É uma leitura fácil. E quem não gosta, tem o
direito de não gostar.
Você trabalhou como executiva de um estúdio de TV por 20 anos. Essa experiência a ajudou no marketing do livro?
Não. São coisas diferentes. Odiava um dos meus últimos trabalhos e escrever foi minha maneira de escapar disso.
Os direitos do seu livro foram comprados por US$ 5 milhões...
Não vou falar sobre o dinheiro. O projeto está indo para frente, lentamente.